16 de setembro de 2016

Não é só Setembro



Às vezes a graça das coisas se esconde dentro de tristezas. Por exemplo? Eu sempre soube que lidava com depressão. Quando a bomba estourou, no período passado, eu resolvi que era me desafiando que eu ia me curar. Achava que eu não era importante para as pessoas, um mero figurante da minha própria história, ninguém que marcasse ou que lembrassem na hora de ir sair para algum lugar. Onde está a graça nisso tudo? Depois que me desafiei, me expus aqui e em diversas vezes com fotografias, desenhos e publicações no meu tumultuado perfil de certa rede social, um monte de gente veio me dizer “Ei, eu li o seu texto. Eu sou como você”.  A graça está aí, leitor. Eles eram figurantes para mim também. Eles não marcaram minha vida, não me eram importantes e eu jamais pensaria neles para ir sair num fim de semana.

E sabe qual a parte mais irônica disso tudo? Em algum lugar do meu íntimo, eu sabia que aquelas pessoas que a mim não eram nada na verdade eram extremamente fortes. Pessoas que eu não me lembrava que existiam no dia a dia e que, de repente, eu lembrava de cenas passadas onde eu já podia ter descoberto que a depressão habitava nelas tanto quanto em meu eu. É irônico saber que você se condena por estar sozinho só porque não consegue perceber e sentir o quanto as pessoas são frágeis como você. Se eu soubesse disso desde sempre, se eu tivesse esse olhar mais atento e uma memória menos curta, talvez nenhum de nós nos sentíssemos sozinhos. Talvez fossemos todos juntos hoje a um bar na Lapa, rindo de como conseguimos escapar desse nó.

Eu menti para mim durante anos, e sei que com você não foi diferente. “Amanhã eu faço”, “Talvez ele esteja ocupado agora para me responder”, “Tudo bem se tiver poucos likes nessa foto”, “eu ame amo”. Minto dia e noite, me escondendo em lugares que sei que não vão me tocar. Nem as pessoas nem as visões. Ah sim, eu as tenho. Eu não sou doida - sou criativa demais. Conheço todos aqui, onde estou: foi quase como minha casa por dois anos. Sei os nomes, os rostos, os restos e principalmente os cantos.  Eu canto, mas a memória não vai embora. De repente, vozes viram ruídos e amigos viram borrões. Ai meu Deus, isso é uma grande descoberta: eu tenho amigos! Eles é que não tem a mim.

Algumas pessoas fazem questão de me perguntar, até diariamente, como está sendo meu dia hoje. Eu respondo a vocês: eu estou tendo um dia graças a você. Continuo aqui, dia pós dia, criando coragem para o ato mais complicado de todos: chamar alguém no chat para conversar. Pessoalmente? É fácil. Sempre estou com pressa. Outras pessoas somem e surgem quando acham melhor, e na verdade, tudo bem: é o que eu faria também. Eu não surgiria quando fosse mais conveniente nem quando soubesse que eu estou “sã” naquele período, surgiria quando acreditasse ser forte o bastante para aguentar a loucura do outro. Tem ainda o tipo de pessoas que não falam nada, estão ali como corujas, olhando para você. E você? Se tiver forças, que sustente o olhar. Raramente nós temos.

Quão difícil é para você entender que não se trata de “relaxar”? Eu reprovei um período inteiro porque tinha medo de chegar até as aulas e ter pessoas como você olhando para minha cara. Eu nunca tinha reprovado uma sequer matéria a minha vida inteira. Quão difícil é se dar conta de que eu não estou faltando por preguiça? Meu corpo pesa. Não seus sessenta quilos, mas parece que sinto esse peso sob cada célula. Eu já acordo tomando remédio. Eu já durmo tomando remédio. Eu como o que acho que como por prazer, mas aí vem também o medo de engordar e, para piorar, eu engordo mesmo. Quanto temo você vai perceber que eu não larguei o meu emprego porque não dei conta daquele setor? Eu dava conta do trabalho. Não dava conta era de tanta gente no meu ouvido.  Será que agora você vai entender o porquê eu chamei montar a minha grade esse semestre e frequentar cada aula como uma luta?

Eu não sou melhor nem pior do que você por isso. Detesto quando romantizam ou vitimizam a solidão. Somos vítimas? Sim, de nós mesmos! De nossa fraqueza e de nossa carência, de nossa falta de confiança e uma armadura rachada que faz o medo entrar no corpo e não sai com facilidade. Não fumo, não bebo e nem me drogo – legalmente falando, porque se aqueles remédios não me deixam drogadas, eu não sei qual palavra devo usar -, mas eu não culpo quem o faz.  Queria ter peito de dizer “Ta para nascer o dia em que vou ter medo de alguém”, como pessoas na mesma situação que eu tem. Eu não tenho. Não sou pior que ela. Queria poder falar para aquela menina maravilhosa que ela não tem porque ter vergonha de postar fotos porque ela é maravilhosa e ponto final. Eu não tenho. Não sou melhor que ela.

               A doença está crescendo em mim. E, por cacetes, como pode? Eu já fiquei pendurada naquela sacada do décimo andar, mesmo medicada, calculando o como pular dali. As pessoas olham para mim e veem uma pessoa problemática; e a pior parte é que é eu nem sequer posso negar. Tenho mais problemas psicológicos e traumas que dedos nos pés. E eu me exponho, me empenho, me esforço. As pessoas olham para mim e veem uma pessoa linda. Tudo bem, eu manchei meu cabelo e ganhei dez quilos, mas ainda há quem me ache linda. Com o cabelo desgrenhado, o sorriso solto e um monte de frases afiadas na ponta da língua. Até que percebem meus olhos, sempre marejados...
        
         Ninguém tem depressão 24 horas. Ninguém está em crise 365 dias. Quando sã, já me acostumei com os olhares e apelidos, e até acho graça quando os amigos fazem piadas. Amigos, piadas. Coisa de gente que se importa com você, mesmo que o mínimo. Mesmo que a solidão esteja impregnada no seu corpo, você, de vez em quando, consegue ver além dela. Você consegue sorrir, consegue se fazer importante para as pessoas. Elas não desistem de você e isso é incrível. Você percebe que, mesmo com porcos de pelúcia e pinguins com pequenos olhos azuis te olhando na beira da cama – ou qualquer outro presente que ache justo, você ainda pode confiar nas pessoas. Elas magoam e se magoam. O mundo não é só você.
        
         Mesmo quando seu corpo te disser que você não pode, você sabe que pode. E como pode. Quantas vezes deixou de ir a algum compromisso porque sabia que ia dar errado? Mas, por outro lado, quantas vezes você foi e se sentiu bem?
        
         Eu peço o impossível. Eu vou o mais longe que eu consigo ir. Eu choro, me encolho, grito e sou a louca da turma – e não é no sentido divertido da palavra. Mas eu continuo seguindo. Por que? Por que eu não simplesmente desisto? Porque tem gente aqui que merece mais que um cadáver. Eu mereço mais que um caixão.

    Fotos feitas por http://www.estudiojm.com.br/, como manifestação artística sobre o tema Setembro Amarelo. Confira os ensaios na integra AQUI.
    Mais informações sobre o Setembro Amarelo em http://www.setembroamarelo.org.br/.

3 de julho de 2016

Eu me chamo depressão


De repente, você se sente liberta. Livre de qualquer possível ilusão. Aquela sensação sufocante de limbo foi embora, você não tem mais que escolher nada, não tem mais que lutar com nada. Finalmente acabou. Você desistiu e, pior: você sente que venceu quando seu corpo se vê sendo arremessado do último andar do prédio. Tem alguma coisa dentro de você que diz que aquela não é a melhor solução, mas você não estará mais ali para se importar. Quer alívio melhor que esse?
Você não vai mais ouvir mensagens positivas e nem perder o controle na frente de todo mundo. Não vai mais encarar os olhares deles e nem o do psicólogo te dizendo o como você vale a pena. Você sente pena. "Como será que ele não vê?", você se pergunta. "Será que ele sabe que fala com um fantasma?".
Tem alguém te perguntando sobre sua família agora. Eu estou no seu enterro. Sou seu maior medo. Tudo o que você quer é que eu vá embora, como se eu te possuísse. Talvez, se você tivesse fé, fosse nisso que acreditasse - e nem isso você faz. Sabe que eu não sou filho de um demônio, de uma sombra, de um espírito vagante. Sou um reflexo de você e vou devorar cada resto da outra parte.
Seu namorado está chorando. Você está sorrindo, onde quer que esteja, porque sabe que tudo foi por água abaixo. Você se sente feliz e mesmo assim se sente triste por ele. O limbo nunca acaba porque você sabe que eu vou estar ali,todos os dias, na cabeça dele. Você se sente idiota. Ah, esqueci, você não sente nada. Você está morta.
Sua mãe não vai durar muito tempo. Você sempre soube disso e mesmo assim se jogou.
Então, quem seria você agora? A corajosa, que conseguiu derrotar cada medo, ou a covarde que deixou seu pequeno time para o abate? A desgraça vai cair mais forte sobre eles. A tristeza vai os consumir com lembranças suas, dos risos e dos choros, e vai fazer os perguntar porque você foi embora. Foi como eu cheguei em você e vai ser como eu vou chegar neles, um por um.
Você é como uma maçã podre: se você perceber que o é, vai estar poluindo todas a sua volta. Se você for corajosa e se matar, eu vou fazer questão de te lembrar antes que, na verdade, foi covarde ao apodrecer eles.
Isso nunca sara. Nunca vai embora. Só piora. Você sabe a cura. E ela te apavora.
Você sente medo de falar e medo de não falar. Medo de comer e medo de não comer. Medo de trabalhar e de faltar, de namorar e de terminar, de ser feliz e de ter um crise. Sabe do que você vai acabar vivendo, querida? De mim.
Eu me chamo depressão. Eu faço jogos com você. Eu bagunço sua cabeça até que você exploda ela. Eu me chamo você. E a partir de agora, você está ciente: não tente me diminuir. Eu nunca vou embora. No estágio em que estamos, eu e você somos a mesma pessoa. Vou assombrar cada um deles. Melhor dizendo: você é quem vai.
Não tente fingir que não me sente.

21 de abril de 2016

A doença do século é a ignorância

Tem dias que você acorda bem. Sabe que vai ter um dia longo pela frente, e tem tudo o que tem que fazer de cabeça, não enrola para se levantar, corre para sair e, de repente, para. Você congela. 
          A história se repete regularmente. Ninguém sabe o que está acontecendo: você, porque não sabe de onde vem esse medo irracional; e principalmente as pessoas, já que você não as deixa saber de nada. Se volta para casa, não pode dizer para sua família que não tem coragem de ir lá fora, que não quer que ninguém te veja assim - você tem que dizer que recebeu uma mensagem dizendo que o professor faltou, que a sua chefe disse que deveria tirar suas horas extras hoje para fechar o ponto do serviço. Quando se faz isso por semanas, as pessoas começam a perceber que tem algo errado com você.
   O médico falou que eu estou em uma condição diferente dos demais. Eu pedi uma explicação e recebi uma resposta simples: Ansiedade, depressão leve e o pior de todos: sociofobia. Eu não conhecia esse termo. Uma fobia é um medo persistente e irracional de um tipo de objeto, animal, atividade ou situação, ou seja, algo que você entende que não tem razão para ter pavor e continua tendo. Sabe do que eu tenho fobia? De gente.
          Mesmo que possa nos melhorar, não é simples falar com as pessoas. Criamos um monstro. Um monstro que faz perguntas e ele tem o rosto de todos os desconhecidos na rua, de todos os colegas de trabalho, professores e até da sua família. Um monstro que te faz lembrar, a cada fração de segundo, de duas simples perguntas: o que você está fazendo perto de mim e o que você acha que eu tenho que melhorar agora?



    
  Por isso, acaba se isolando de tudo por medo de ser ferida, e isso te piora gradativamente. Você odeia ficar ali, presa, sozinha, e também odeia que qualquer pessoa te ajude por não querer prender elas a isso também. Não está feliz em sair, mas não está feliz em ficar em casa. Quer sair do trabalho para ter mais tempo de tentar viver e se desespera em pensar no que pode causar a si mesma com tanto tempo livre. 
Isso não vai sair no seu exame de sangue, fezes, ultrassom - mas é real. Afeta as pessoas de dentro por fora, como um vírus. É tão forte que tem remédios para controlar - isso mesmo, controlar- as pessoas que sofrem com isso. Não se controla o que não se oferece risco. Quando falam disso, tudo o que as pessoas dizem é "isso é besteira", "só tenta relaxar", "levanta", "esses remédios vão te fazer mal", " isso é falta de Deus". Percebe? É sempre sua culpa. É sempre como se você não se esforçasse o bastante, se faltasse os compromissos por preguiça, se você fosse fraca e não que estivesse fraca. As pessoas nunca dizem que querem que fique melhor, que vão te indicar um tratamento, que vão rezar para você conseguir se curar. As pessoas vêem isso todos os dias, está estampado na cara delas. Todo mundo percebe quando há algo de errado com alguém, independente de quão bom essa pessoa seja em esconder o que sente. Sempre tem um momento onde estes ficam vulneráveis e a depressão/sociofobia intensifica isso. 
Eu não estou dizendo que você é responsável. Talvez nunca tenha tido que escolher entre alguma droga e ficar completamente sozinha. Você pode sim, e muito bem, não ter nada a ver com isso: o que estou dizendo a você é que essa é uma doença formada por opiniões. As pessoas desenvolvem um distúrbio por medo de opiniões em geral. Por que você acha que expor a sua a plenos pulmões não pode agravar essa situação?
Você não é obrigado a nos tratar como diferentes e nem eu estou querendo algo assim. Estou querendo parar de escutar "você deveria se controlar, sair dessa, parar de bobeira" toda vez que eu simplesmente não souber por onde começar a te explicar o porque aquele não é um dia bom. Infelizmente, não se trata de me controlar, nem que eu queira muito, então pare de dizer isso. Se trata de terapia.
Não tem porque menosprezar uma pessoa que já faz isso com ela mesma. Não tem porque olhar torto, deixar para lá e não se importar com ela. Se é alguém que você tem o mínimo de carinho, você deve saber que estar assim não é culpa sua e nem dela. 
         Por favor, não peça para abandonar esse monstro como se ele não fosse parte de nós mesmos. Ajude a não precisar mais dele.